Sopa dourada
Sopa dourada por Rica Sainov in Natal em Palavras, volume 2, Chiado BOOKS Acordo. Abro ligeiramente os olhos. As pálpebras colam, estão remelentas. É noite, custa-me acolher a torrente de claridade das imensas luzinhas pulsantes em ritmo psicadélico. Estão todos felizes em meu redor. Trocam abraços e presentes envoltos em papel reluzente e laços de cetim. Falam incessantemente enquanto degustam, deliciados, doces da quadra. Cheira bem. Cheira a sopa dourada, com amêndoas torradas, como sempre fiz questão de preparar, todos estes anos, nesta altura especial. Quero levantar-me para abraçá-los também. As pernas não deixam, não tenho forças. Iço a minha mão uns centímetros acima do apoio de braço da minha cadeira metálica para acenar-lhes. Quero dizer-lhes que estou aqui, que lhes quero bem. Tento vociferar algo. Faço-o com veemência. Saem, contudo, uns sons esdrúxulos que eles não compreendem. Atentos ao meu frenesim, todos param de falar. Toda a sala pára....