Food for your thoughts
Food for your thoughts
Compreendo esta onda de contestação generalizada ao induzimento despudorado para o consumo de determinados suplementos alimentares, sem qualquer
tipo de restrição ou controlo.
Eu próprio me sinto indignado, como farmacêutico e naturopata.
Não vou obviamente referir marcas mas é só ligar a televisão
ou navegar na internet para ficarmos avassalados com a infindável quantidade de anúncios
recomendando suplementos com minerais, plantas e vitaminas, e os seus efeitos “milagrosos”.
Cuidado!
Estou de acordo com os médicos e farmacêuticos que se
insurgem contra esta evidente falta de ética e regulamentação. Obviamente a
toma de suplementos alimentares deve ser aconselhada por profissionais
competentes e usados temporariamente para corrigir determinados desequilíbrios.
Tal e qual os medicamentos alopáticos, químicos, de síntese, prescritos pelos
médicos.
A fitoterapia, ou se preferirmos, a ciência que estuda o uso
de plantas medicinais, teve a sua génese na simples observação do uso étnico, por vezes milenar, de determinadas plantas. Examinando as mais variadas utilizações tradicionais, costumes e crenças de diversos povos e tribos, verificou-se que o emprego de determinadas
plantas era potencialmente benéfico para o tratamento de certas afeções de
saúde. Procedeu-se ao devido registo, recolheram-se várias partes dessas mesmas
plantas e começaram a realizar-se exames laboratoriais e químicos para determinar
quais os seus constituintes químicos (bons e maus).
Todos estão familiarizados com a perspetiva darwiniana da
evolução das espécies, certo?
Pois bem… a galinha perdeu a capacidade de voar porque teve
milhares de anos de cativeiro. O cão, descendendo dos selvagens lobos, perdeu a primitiva agressividade e ligou-se emocionalmente e socialmente ao homem, que tratava
dele e o alimentava.
O Homem ficou cada vez mais inteligente…. Ah! Ah! Ah!
Desculpem, mas deu-me uma súbita vontade de rir…
Os mais fortes (ou espertos) sobrevivem, não é?
Ora, com as plantas deu-se precisamente o mesmo…
Uma planta tem como função captar a energia do sol,
nutrientes do solo, dióxido de carbono do ar e transformar estas
matérias-primas em nutrientes – proteínas, hidratos de carbono e gorduras. Estes
MACRO nutrientes, conhecemo-los como metabolitos primários.
Até aqui tudo bem… É ALIMENTAR, meu caro Watson…
Os inimigos naturais das plantas são os herbívoros (além dos
fatores climáticos e ambientais, é óbvio). Dentro de uma determinada espécie de
planta, as que sofriam mutações no sentido de produzir substâncias mais tóxicas
para os herbívoros, para não serem comidas até à extinção, iam prevalecendo.
Resumindo - para se defenderem contra os naturais agressores,
elas começaram a produzir metabolitos secundários:
- Fenóis, cumarinas, antraquinonas, taninos, flavonóides (muito
interessantes pelas suas propriedades antioxidantes), terpenos (monoterpenos e
sesquiterpenos), triterpenóides (fitoesteróis e saponinas), óleos essenciais,
polissacarídeos, mucilagens, frutanos e alcalóides.
Atenção a este último! Tanto tem de poder curativo como de perigoso:
- a atropina da Belladona, o ópio (morfina) da papoila…
Vou apenas dar um exemplo, que costumo referir em seminários
e workshops:
Se há parte da planta que ela "sente" particularmente necessidade
de proteger são os bebés. Trata-se da subsistência da espécie...
Os bebés das plantas são as sementes.
Imaginemos então o feijão - leguminosa - rica em nutrientes porque, afinal, vai dar origem a um novo ser. A mãe do feijãozinho para não perder o
filho, além das proteínas, hidratos de carbono e gorduras, dotou-o de
alguns antinutrientes indesejáveis aos insaciáveis predadores. Vou citar apenas
as saponinas (podia falar também dos inbidores da tripsina ou das lectinas, que são fitohemaglutininas). As saponinas
são um detergente. Etimologicamente do latim "sapo" - “sabão”. Ao ser ingerido por
um animal, as saponinas são irritantes da mucosa do trato digestivo, acelerando
a motilidade intestinal. O que acontece ao animal é que vai defecar quase instantaneamente
(tipo diarreia) o feijão (bebé) intacto e ainda lhe fornece o adubo necessário
para a planta medrar.
Viva! Temos um novo feijoeiro! E a espécie prolifera...
Conclusão: Não há inocência na ingestão inadvertida de
suplementos alimentares. Existem de facto efeitos secundários a ser tomados em
consideração!
Numa só planta encontramos um largo espectro de metabolitos secundários, alguns apresentando considerável toxicidade.
O mesmo se passa com os alimentos. A alimentação é uma coisa
séria (sagrada, até, para muitas culturas). Deve ser bem ponderada. Deve ser rica em micronutrientes e ajustada às
nossas especificidades individuais. Há efetivamente traços comuns em
determinadas populações, na adaptação a determinados nutrientes e metabolitos. O
problema é que hoje em dia somos uma mescla de ADN… uma mistura de povos e
costumes e por vezes o nosso corpo tem dificuldade em assumir determinados
alimentos como apropriados à sua natureza.
Temos de escutar o nosso corpo e não ter medo de tanta
desinformação…
Não podemos é basearmo-nos nos produtos que vemos nos
supermercados porque muitos deles nem alimentos são… São xenobióticos! São
produtos que, pela sua natureza e processamento, o nosso corpo tem dificuldade
em reconhecer como alimento.
E quando não reconhecemos algo, chutamos para canto, certo?
Estes subprodutos vão acumular-se malignamente no nosso corpo como gordura e
inflamação…
Food for your thoughts,
Ricardo Novais
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