A última fronteira
Barreira hematoencefálica
Se considerarmos o cérebro como o nosso bem mais precioso,
vamos desejar que ele, acima de todos os outros órgãos, esteja invariável e permanente
protegido de todo o tipo de agressões.
No final do século XIX, ao injetarem corantes histológicos na
corrente sanguínea de vários animais de laboratório, verificaram que todos os
órgãos ficavam corados de azul, exceto o cérebro e a espinal-medula. Para
explicar a dificuldade em tingir o cérebro foi postulada a existência de uma
barreira hematoencefálica.
Em que consiste então tal barreira?
A barreira hematoencefálica é uma fronteira altamente seletiva
de células endoteliais do cérebro que previne que compostos do sangue
circulante entrem de uma forma não seletiva para o fluído extracelular do
sistema nervoso central, onde residem os neurónios. Estas células da parede
capilar, das terminações dos astrócitos e dos pericitos formam um aglomerado
que filtra seletivamente o sangue e permite somente a passagem, por difusão
facilitada e transporte seletivo por proteínas, muito particularmente pelo
recurso à glicoproteína-P, dos nutrientes essenciais à atividade neural, barrando
a passagem de microrganismos patógenos e outros xenobióticos. Este filtro
permite, inclusive, que substâncias endógenas e exógenas, células do sistema
imune, anticorpos e até mediadores bioquímicos, como as citoquinas, só penetrem
em determinada extensão, protegendo o cérebro de eventuais inflamações sistémicas.
Porém, quando a inflamação é crónica, mesmo que subclínica,
como no caso da low-grade inflammation, pode haver um comprometimento da
barreira hematoencefálica e, por conseguinte, um aumento da sensibilidade às
citoquinas. Patologias mentais moderadas a severas como a esquizofrenia, psicose,
doença bipolar ou depressão major, que surgem após décadas de inflamação
crónica, podem encontrar explicação no comprometimento desta barreira
fundamental ao funcionamento normal do nosso cérebro, com o aumento de toxinas
e mediadores pró-inflamatórios no fluído cérebroespinal. Este conhecimento pode
abrir uma nova luz para a erradicação de doenças mentais severas, pois torna
possível tratar estas patologias não só pelo recurso aos convencionais reguladores
de hormonas, neurotransmissores e dos seus respetivos recetores, mas também através
de fármacos anti-inflamatórios seletivos. O mesmo será válido para várias doenças
do foro neurológico como a Esclerose Múltipla, o Parkinson ou o Alzheimer.
De um ponto de vista natural, é fundamental viver uma vida
sem inflamação. O primeiro passo é aliviar o stresse e depois cambiar
paulatinamente para uma dieta anti-inflamatória, ética e sustentável, complementada
por um ou dois bons adaptogénios (gosto particularmente do rhodiola e da bacopa), ginkgo
biloba (atenção às suas interações e contraindicações), fosfolípidos, DHA (ómega 3 do peixe),
L-taurina, aspartato de arginina, vitamina D, vitamina C e as vitaminas
do complexo B. Cheirar com frequência o óleo essencial de alecrim (Rosmarinus
officinalis) pode ter bastante interesse terapêutico, porque os compostos
voláteis deste óleo atravessam facilmente a barreira hematoencefálica, aliviando
a inflamação cerebral.
Quem é frequentador assíduo de aulas de ioga conhece muito bem o efeito das posições invertidas.
Pois é... sempre com atenção a possíveis contraindicações, parece-me saudável ficarmos, sempre que possível, uns minutinhos de cabeça para baixo e rabo para o ar.
Também as técnicas de respiração, como o método do Wim Hof, podem facilitar a drenagem por recurso a uma bomba de líquido cefalorraquidiano, através de um gradiente de pressão por entre um filtro de células gliais. Este mecanismo, recentemente descoberto, funciona quase como o sistema de saneamento do nosso cérebro.
Quanto mais desintoxicado estiver o nosso cérebro, mais claramente podemos ver o mundo e melhor nos relacionamos connosco próprios e com a sociedade.
Ricardo Novais
Referências:
Ganong
W.F., Review of Medical Physiology, 16th edition, Appleton &
Lange, 1993
Treadway M.
T. et al., (2019). Can’t or Won’t? Immunometabolic Constraints on Dopaminergic
Drive. Trends in Cognitive
Sciences
Correale J,
Villa A. The blood-brain-barrier in multiple sclerosis: functional roles and
therapeutic targeting. Autoimmunity. 2007;40(2):148-160.
Photo by Wesley Tingey on Unsplash
As opiniões expressas refletem unicamente a opinião do autor. Na falta de estudos científicos credíveis de parte a parte sobre este tema, deve o leitor conduzir a sua própria pesquisa. Em caso de dúvidas, deve consultar o seu profissional de saúde.
Comentários
Enviar um comentário