Somos o que comemos (formato entrevista)
P: “Somos o que comemos” é muito parecido com
aquela célebre frase de Hipócrates, o pai da medicina, “que o teu alimento seja
o teu remédio e que o teu remédio seja o teu alimento”. Porque é que escolheste
este tema, Ricardo?
R: Bom, a verdade é que sou amiúde solicitado para
participar em congressos e seminários sempre com o tema da alimentação. Também
não é para menos… Antes de tirar a pós-graduação em Terapias Naturais e
Complementares, implementei o meu próprio espaço, em Famalicão, que era uma
loja que vendia alimentos biológicos, mas também tinha uma área de restauração,
onde, durante anos, trabalhei como cozinheiro, preparando e servindo pratos
vegetarianos e biológicos aos clientes. Curiosamente, uma das frases que
coloquei na parede da cozinha era precisamente esta de Hipócrates que evocaste.
E é verdade o que ela diz: quando surge um determinado problema de saúde, em
primeira instância, devemos procurar efetuar um determinado número de correções
alimentares e só depois, se não surtir efeito, é que devemos recorrer ao
químico, à medicação alopática. E mesmo depois de haver um tratamento pela
medicina convencional, um cancro, por exemplo, depois de efetuar o protocolo de
quimio e até radioterapia, devem as pessoas procurar uma via alternativa ao que
faziam anteriormente e que, muito provavelmente, estava errado. No caso do
cancro, por exemplo, devemos enveredar por uma dieta o mais anti-inflamatória
possível. O que isto quer dizer? Recorrendo a uma alimentação mais rica em
antioxidantes e com cofatores dos antioxidantes que já existem no nosso corpo,
como por exemplo várias vitaminas e oligoelementos, como o selénio. Para dar um
exemplo (costumo dar este exemplo muitas vezes): Muitas vezes as pessoas sofrem
de um cansaço inexplicável, dificuldade em perder peso, formigueiros nas
extremidades, cabelos e unhas fracos. Vão ao médico de família e ele manda
passar as habituais análises de rotina, incluindo os marcadores hormonais para
a função da tiroide — o T3, o T4 livre e o TSH. E quando os resultados chegam
normais a suspeita parou por ali. Só que por vezes a tiroide está mesmo em hipofunção
e estes valores estão dentro da normalidade porque estamos sempre a falar, em
termos estatísticos, de um intervalo muito lato. Sem comprometer a decisão
médica de ter parado por ali a suspeita de falta de rendimento da tiroide, as
pessoas podem começar, por sua iniciativa, a comer duas castanhas do Pará, do
Brasil e introduzir, de vez em quando, uma alga kombu ou wakame, por causa do
Iodo. Por vezes, em semanas, o cansaço desaparece e os cabelos e as unhas ficam
mais fortes. Mas, repara, são só umas dicas. Sempre que há cansaço inexplicável
o clínico deve averiguar a fundo o que se passa. Pode ser por exemplo uma
anemia e isso deve ser estudado a fundo. Só que, em bom rigor, qualquer
problema de saúde continua a ser tratado de uma forma clássica. Do meu ponto de
vista deveria haver uma maior abertura para entender o que as melhores dietas
do mundo podem aportar para corrigir os desvios que o levaram a ficar doentes
em primeira instância. Há de haver sempre alguma coisa que sabemos que estamos
a fazer errado e podemos corrigir.
P: Então, o que estás a dizer é que há uma fissura
entre a visão clássica da alimentação e a visão da nutrição integrativa ou até
da ortomolecular, correto?
R: Sem dúvida. O mundo que envolve a saúde é feito de
castelinhos. A nutrição não é exceção. Como já referi já fui muitas vezes
convidado para falar da alimentação em congressos e na mesa de palestrantes
estavam distintos nutricionistas. A maioria não queria, nem ao de leve, por
exemplo, considerar a hipótese de que o leite de vaca poder não ser assim um
tão bom alimento para os humanos. Quando uma criança desenvolve otites e amigdalites
de repetição, alergias respiratórias, tenho quase uma taxa de 70 a 80% de
recuperação quando sugiro experimentar tirar o leite durante algumas semanas.
Repara: nenhum aluno acabadinho de sair das fileiras da faculdade de nutrição,
fresquinho no mercado de trabalho, depois de anos de indoutrinação, contesta a
evocação dos malefícios da caseína do leite de vaca ou das hormonas de
crescimento da vaca, que por mimetismo atuam também nos recetores humanos,
conduzindo a desequilíbrios. A visão da nutrição integrativa e até da
ortomolecular é que é possível curar ou, no mínimo, mitigar uma miríade de
patologias por suaves, mas, contudo, incisivas correções alimentares. E às
vezes é algo tão simples como eliminar o leite ou o glúten. Sobretudo,
considero que estamos a chegar a um ponto em que todos deveriam ouvir a outra
parte, em respeito mútuo, para levar a cabo uma transformação séria do modelo
de saúde.
P: Vou perguntar-te diretamente, até porque é o
que as pessoas que estão a assistir pretendem ouvir: Qual é de facto a melhor
dieta para nós, para os humanos?
R: Essa pergunta tem rasteira, eh, eh. Tu sabes que
existem muitas dietas no mundo. Umas são boas e outras são excelentes, como a
dieta mediterrânea. Só que entrou facilmente no jargão popular dizer que temos
uma dieta excelente e por isso temos uma espécie de escudo protetor. Eu lembro
a essas pessoas que a dieta dos portugueses contemporânea é tudo menos
mediterrânea, que deveria conter o licopeno do tomate, os ácidos gordos
polinsaturados contidos no azeite extra virgem de primeira pressão a frio, o
resveratrol — potente antioxidante contido nas uvas, portanto, no vinho —, etc.
A dieta hoje em dia é muito diferente. Existem muitas outras que também são
muito boas: a dieta de Okinawa, a dieta do Paleolítico, para não falar de
outras. Se queres mesmo saber, acredito que um misto entre a dieta do
paleolítico — a Paleo — e a de Okinawa será muito próximo do ideal, porque é
anti-inflamatória, rica em antioxidantes e ácidos gordos polinsaturados, probiótica
e baixa em calorias. No fundo eu acredito que é sempre mais fácil percebermos o
que nos faz mal do que o que nos faz bem. Por isso um bom começo é remover o
que nos faz mal — o açúcar, os alimentos processados, os fritos, onde se formam
aminas e outros compostos tóxicos e até carcinogénicos, como a acroleína e a
acrilamida. Depois há um alimento que é muito importante e muita pouca gente
lhe dá o merecido destaque — a água. O corpo humano é composto por dois terços
de água, sendo que em apenas dias essa água é renovada, ou seja, em apenas dias
dois terços de nós não estava cá, mas noutro local, eh, eh. A água é
fundamental no processo de limpeza e de remoção de toxinas, por isso a água
deve ser pura, portanto, isenta de substâncias adicionadas e o mais energética
possível. Houve um cientista japonês — Masuro Emoto, que se dedicou a estudar os
cristais de água e percebeu que uma água energeticamente morta, produzia
cristais de gelo pouco harmónicos, disformes e uma água da nascente,
energizada, cristais lindíssimos, harmónicos e vibrantes. Respondendo à tua
questão diretamente, eu diria que há antinutrientes que deviam ser evitados ao
máximo, como os antinutrientes das leguminosas, as solaninas das solanácias que
são a batata, o pimento, a beringela e o tomate verde, o leite e o glúten já
são um bom começo… Mas não é só a dieta que é importante. Devemos também pensar
no modo de confeção e também nos instrumentos que utilizamos. Eu, por exemplo,
utilizo a cozedura a vapor e uso uma air-fryer, que não utiliza qualquer
gordura. Também quando utilizamos crus, como a alface, os tomates e as frutas
devemos procurar descontaminar. Não o descontaminar de microrganismos, porque
isso já é feito a jusante, pelos técnicos das águas, adicionando-lhe cloro e
outras substâncias, mas o descontaminar de fitoquímicos e xenobióticos que são
utilizados pela agricultura em massa para tratar as pragas de forma química. Ao
ingerirmos uma fruta ou legume estamos a trazer para dentro do corpo inúmeras
substâncias que nos prejudicam. Eu tenho uma dica, porque tive a preocupação de
ler várias publicações científicas sobre o assunto: sugiro numa taça de água
colocar duas colheres de chá de bicarbonato de sódio e deixar as frutas e
legumes 15 minutos a descontaminar.
P: Ó, Ricardo, então eu tenho mesmo de te
perguntar…: Tu tens uma família, três filhos… o que lhes dás de comer?
R: Pois é, “em casa de ferreiro, espeto de pau”. Dou
muitas aulas em escolas de referência no âmbito da nutrição integrativa e falo
de dieta paleolítica, proteínas vegetais, alimentação crudívora, sumos e detox,
superalimentos e probióticos. Nessas alturas, como tenho de preparar as aulas,
durante a semana que antecede e na semana subsequente, comemos muito bem, de
acordo com os preceitos que preconizo, pois tenho de preparar os pratos para as
aulas. De resto, nos outros dias em que não tenho aulas, admito que cometo
alguns excessos e como algumas coisas que sei que não fazem lá muito bem, como
uma tablete de chocolate. Mas, espera, isso, às vezes não é assim tão mau como
parece, sabes porquê? Porque a alimentação não deve ser restritiva e muito
menos repressiva. Já se sabe: “quanto maior a repressão, maior a perversão”. O
que isto quer dizer? Que todos temos direito a ter uma recompensa, ou seja, se
nos apetece um quadradinho de chocolate, não devemos fazer o esforço de
reprimir esse desejo. A parte psicológica da alimentação é muito importante. E,
mesmo que em dietas de restrição calórica se passem muitas privações para ter
um corpo mais adequado aos padrões da sociedade atual, mal a parte psicológica
fique afetada retorna-se aos erros e com maior força, daí as chamadas dietas ioió, por causa das recaídas. Se durante os períodos em que estamos a fazer
mais restrições dermos alguns miminhos, esses “desejos” desvanecem. É por isso
que não gosto quando me consultam para emagrecer. Emagrecer surge naturalmente
quando adequamos a nossa alimentação à nossa condição humana, ingerindo
nutrientes com qualidade, mas também satisfazendo a parte psíquica, que é muito
importante. Em casa, tento cozinhar da forma mais pura e saudável possível, mas
permito a utilização ocasional de derivados de leite, como iogurtes, chocolate
para ficarmos mais bem-dispostos, etc.
P: Eu sei que és um pouco malandro… quando
escolheste o tema “Somos o que comemos” não estavas só a referir-te à comida,
pois não?
R: Eh, eh, já me conheces muito bem... Sim, claro que
não é só pelos alimentos que “comemos” coisas. O homem é um animal social,
necessita de interação e também se alimenta de emoções. São as emoções que
fazem movimentar o mundo. Já reparaste que hoje em dia só se ouve falar de
crescimento: crescimento tecnológico, crescimento económico… Mas, ao ritmo
atual, vamos crescer para onde? O excesso de tecnologia fez com que o homem se
tornasse totalmente dependente de computadores, tablets e telefones. O Homem (com
letra capital) tenta assintoticamente criar uma pretensa máquina da felicidade,
pois acredita que só assim poderá se sentir realizado. E, mesmo agora, quando
as pessoas estão recolhidas em casa, usa-se e abusa-se da tecnologia. Não que
ela não seja necessária, mas… deveríamos gerir o excesso de tecnologia com
parcimónia. No resto do tempo sugeria dedicarmo-nos a mais contacto com a
Natureza, como a jardinagem ou construir uma pequena horta, criar animais,
brincar com as crianças no exterior, apanhar sol, que também é outra forma de
“comer” energia. Em relação a isto tenho uma história muito gira: quando
comecei a dar os primeiros passos na nutrição integrativa assisti a muitos
seminários. O que mais me surpreendeu foi o testemunho de uma mulher na
Austrália que vivia há anos sem ingerir alimentos. Só água e luz do sol. A esta
alimentação radical — que não recomendo minimamente — chama-se alimentação
prânica (de Prana, energia vital, Qi). Eu não recomendo porque é muito
radical e perigosa para as pessoas comuns, mas entendo o conceito: os animais
têm algo de comum com as plantas, temos a mesma origem comum. As plantas
realizam a fotossíntese, ou seja, só precisam da luz solar para criar energia e
crescer. O ser humano tem essa capacidade só que de uma forma muito reduzida.
Se pensarmos bem, é ao apanhar sol que são produzidas substâncias fundamentais
ao nosso bom funcionamento, como a vitamina D, a partir do colesterol.
P: Então tu achas que existe uma relação entre as
emoções, a alimentação, a imunidade e até a saúde mental, é verdade?
R: Está comprovado que existe uma conexão especial,
um eixo cérebro-intestinos. Muitas pessoas referem-se inclusivamente aos
intestinos como o segundo cérebro. E não é à toa, porque se juntássemos todos
os gânglios nervosos que existem no intestino obteríamos o equivalente a um
cérebro de um gato. As emoções e o movimento dos intestinos estão intimamente ligados.
Vejamos: quando somos inflexíveis, não abdicamos nunca da nossa opinião,
estamos presos aos nossos pensamentos, fazemos retenção, temos a obstipação; quando
estamos com medo, ficamos com as fezes moles ou até diarreia, os nutrientes não
são bem absorvidos, a saúde não está perfeita. Eu gosto sempre de dar o exemplo
de um castelo: imaginemos que o nosso corpo é um castelo — tem as barreiras
físicas que são as muralhas e depois tem os soldados que o defendem, que são as
nossas células do sistema imunitário. Devemos pensar na barreira mais
importante, onde há contacto entre o mundo exterior e o nosso interior. Essa
barreira é a barreira da mucosa intestinal. Se comermos porcaria, ou, pelo
menos, alimentos que pensamos que nos fazem bem, mas na verdade provocam
alergia ou intolerância, como o leite e o glúten, a parede intestinal fica
inflamada. Com a inflamação torna-se porosa. É o equivalente a o inimigo
conseguir abrir buracos na muralha. Quando isso acontece, passa todo o tipo de
lixo e microrganismos para a parte interior. É aí que atuam os nossos soldados.
São chamados para lá todos os soldados para combater nas fissuras que foram
feitas na muralha. Ora, isso implica que ao se deslocarem de outras muralhas
para esta vão desproteger o resto do castelo, que fica mais vulnerável. Daí que
quando existem “ites”, como a amigdalite, rinite ou a sinusite, devemos pensar
em selar primeiro os nossos intestinos. A melhor forma é evitar os alérgenos
conhecidos, que são os que a dieta do paleolítico preconiza, por exemplo. Devemos
usar alimentos e suplementos que ajudem a desinflamar e a “selar”. Eu aconselho
plantas calmantes como a cidreira, a aloé vera e a camomila, a curcuma,
altamente anti-inflamatória, e a L-glutamina, que é um aminoácido que serve de
combustível para as células de elevado turnover, ou seja, que sofrem
regeneração com muita frequência, como é o caso das mucosas. Por isso também
recomendo L-glutamina para ajudar a reparar o tecido pulmonar afetado pelo
coronavírus, para quem sofreu desta doença na sua forma mais exuberante. Isto
relativamente à parte da imunologia. Mas pensa nisto: se os intestinos estão
inflamados, naquilo que se conhece como Low Grade Inflammation, ou
inflamação de baixo grau, os nutrientes não vão ser absorvidos de uma forma
assertiva e o que vai acontecer é que não se produzem serotonina e dopamina nas
proporções ideais. Com o tempo surgem as depressões e os esgotamentos. A
inflamação de baixo grau, por sua vez, faz com que haja em circulação vários
mediadores da inflamação como as citocinas. Estas atravessam a Barreira
Hematoencefálica, agravando a patologia mental. E assim entramos num círculo
vicioso. Onde se quebra este círculo? Nos intestinos e por mudanças dos padrões
mentais, ou seja, não podemos ter medo, preocupação, raiva, frustração ou
inflexibilidade.
P: Todas as pessoas gostariam de saber o segredo
da felicidade. O que recomendarias para andarmos, sei lá, nas nuvens? A um
estado de total harmonia e paz interior… Achas que podemos chegar lá através da
mudança de hábitos alimentares?
R: Bom, de caras digo-te que para andares bem
emocionalmente e mentalmente tens de ter uma certa paz intestinal, como falei
há pouco. Por isso, creio que para atingirmos o “Nirvana”, eh eh, devemos, ao
invés de pensar o que comer, pensar em não comer, ou seja, fazer alguns períodos
de jejum, como o jejum intermitente. É durante o jejum que o nosso corpo deixa
de se concentrar na digestão dos alimentos e passa à fase de regeneração
celular. Quando temos qualquer patologia devemos parar de comer. É isso que
acontece instintivamente quando estamos maldispostos ou com gripe, por exemplo.
Quando estamos com coronavírus, por exemplo, perde-se o apetite. É uma reação
natural do organismo… Esse é o primeiro ponto. Quando queremos uma vida mais
espiritual, vivendo o amor incondicional na força máxima, creio que será
vantajoso, não só comer menos, como comer alimentos crus e sumos, com pouca ou
nenhuma carne. De um modo geral as especiarias dão um bom aporte de
antioxidantes e por isso recomendo usar amiúde na alimentação. O mesmo com os
óleos de primeira pressão a frio, como o azeite e o óleo de linhaça. Os ómegas,
sobretudo o ómega-3, são fundamentais para o funcionamento cerebral, para a
retina e até para a produção espermática, em casos de infertilidade masculina. Podemos
usar o óleo de linhaça, mas como a cascata enzimática até obtermos o DHA — que
é o ácido gordo polinsaturado que mais importa para regenerar o cérebro e a
retina —, é longa, sugiro a toma regular de óleo de fígado de bacalhau ou mesmo
fazer suplementação com cápsulas gelatinosas de óleos de peixe de origem
fidedigna. Alimentos contendo L-triptofano são muito importantes para a
produção de serotonina. Um que tem muito triptofano é a carne do peru, por isso
é que no dia de Ação de Graças, nos EUA, depois do jantar, fica-se com muito
sono. Mas no reino vegetal sugiro comer sementes de sésamo, por exemplo em
forma de Tahini, muito comum no médio oriente, e amêndoas, porque também
têm uma boa relação cálcio / fósforo.
P: A dieta antioxidante incluindo os alimentos
antioxidantes presentes nas especiarias são, portanto, responsáveis pela baixa
incidência (e prevalência) de doenças do foro mental nos países orientais?
R: Além da filosofia de vida, mais desapegada e
desprendida, sim, claro, a alimentação também tem o seu papel. As especiarias
são importantíssimas para ajudar o corpo no combate ao stress oxidativo. Um dos
exemplos é a curcuma, o açafrão-das-índias. Mas também os cominhos, a
noz-moscada, os orégãos, o estragão, o rosmaninho. A lista é interminável. Gosto
muito da comida chinesa, japonesa, mas sobretudo, indiana. Existe uma
especiaria, muito usada na culinária indiana —o açafrão. Não o açafrão-das-índias
que referi há pouco, mas o Safran, o Crocus sativus. É um estame
de uma flor desta espécie que quando colocada na água tinge de vermelho. Tem
propriedades marcadas como antidepressivo moderado. As dietas orientais, que
depois tentámos importar têm muitas coisas interessantes. Aqui gostaria de
referir um pormenor interessante: no Japão, que é o país com maior longevidade,
e Okinawa ainda mais, em meados do século XX, houve uma escalada de incidência
e prevalência do cancro, especialmente o cancro do colon. Isso deve-se à
globalização. Tinham uma dieta altamente protetora e, mal decidiram importar as
comidas ocidentais, como os derivados do leite, carne em demasia e processada,
como hambúrgueres, o cancro disparou. Dá que pensar, não? Na índia, há mais
pobreza, mais miséria, contudo as pessoas conseguem sempre mostrar um sorriso
na cara. Isso quer dizer que, por um lado, as conquistas materiais não trazem
felicidade coisíssima nenhuma e, por outro, que a alimentação contendo esta
riqueza presente nos condimentos, como as especiarias, ajudam a manter uma
saúde mental de ferro. Pensem nisso…
P: Eu sei que muitas pessoas que estão a assistir
gostariam de te perguntar o que sugerias no caso de obstipação. E, já agora,
também, a situação oposta: a diarreia, a Síndroma do colón irritável, as
colites e até a doença de Crohn?
R: Ah, pois… não há receitas milagrosas pois, como te
referi, depende muito do estado mental e emocional da pessoa. Também depende do
estado de intoxicação… É normal conseguir melhorar muito a consistência das
fezes só pelo recurso à desintoxicação hepática. Uma pessoa que está presa aos
seus pensamentos, que remói e acha que tem sempre razão, acaba por demonstrar
muita raiva contida. A raiva contida confunde-se sempre com um elevado nível de
frustração — por exemplo o caso das mulheres que são oprimidas pelo marido —
tipo buldózer emocional — de exprimir a sua opinião. Ah… porque isto de ter uma
relação com alguém não é como ter um carro ou um telemóvel. As pessoas, as almas,
não são propriedade… Seja como for, depois de anos de raiva contida, que depois
se transforma em frustração, acaba por demonstrar os intestinos presos. Numa primeira
fase, sugiro que se faça um ou dois meses de Cholagutt, para obrigar a vesícula
a despejar a bílis. Se a pessoa tiver lito biliar — vulgo pedra na vesícula —
temos de escolher outro detox hepático sem alcachofra, pois nesses casos a
planta está contraindicada. A vesícula despejando o seu conteúdo no trato
digestivo vai funcionar como um sabonete e obrigar o intestino a trabalhar mais
rapidamente. Por vezes é o suficiente. Se não for, existe outra dica que eu uso
e tem cerca de 100% de eficácia — a fibra do figo e da ameixa: Num copo com
água colocamos dois figos secos e duas ameixas secas a demolhar. Meia hora
antes de ir para a cama bebemos essa água e, se não houver contraindicações de
maior, comemos os frutos demolhados, portanto, os figos e as ameixas. De noite,
não se esqueçam… Em relação às síndromes de diarreia, quando temos a certeza
que não se trata de uma toxicoinfeção alimentar podemos ajudar a corrigir a
situação, considerando os pressupostos de uma dieta FODMAP, que é a mais
indicada para as colites e Síndromes do colon irritável. O que ela tem de
especial? Tem uma lista de alimentos, nomeadamente frutas e legumes, ricos em
açúcares de cadeia curta, altamente fermentáveis, como a maçã, a cebola e o
alho. Se durante uns tempos removermos estes alimentos, os intestinos não
fermentarão com facilidade. Eu não queria muita esticar-me neste assunto porque
muita gente sofre também de SIBO, que é Small Intestine Bacterial Overgrowth.
Existe uma série de sinais e sintomas patognomónicos. Mas para isso, o ideal é
sempre fazer a consulta com um naturopata.
P: E em termos de flora intestinal, tens algum
conselho? Já se sabe que por detrás de terríveis doenças inflamatórias
intestinais, mas também alérgicas, autoimunes e mentais, existe um quadro de
disbiose intestinal. O que tens a dizer acerca disso?
R: Como eu já referi atrás quando falei da metáfora
do castelo, é fundamental que a barreira intestinal esteja intacta e saudável
para estarmos imunologicamente competentes. Uma das aulas que mais gosto de
apresentar é a aula de probióticos. Sabemos que sobre a nossa mucosa intestinal
existem milhões de milhões de bactérias. Há quem diga que chegam a ser dez
vezes a quantidade de células que temos no nosso corpo. Mais acima no trato
digestivo —estômago, duodeno, jejuno-ílion, intestino delgado bactérias mais ácidas,
como os lactobacilos, mais abaixo, temos, na flora comensal, uma miríade de
espécies. Umas vão crescendo mais do que as outras, como as enterobactérias, mediante
erros da alimentação, toma de medicamentos e antibióticos e anestesias. Tudo
isso altera a nossa flora simbiótica, que nos protege e nos favorece a absorção
de determinados nutrientes fundamentais. Não era de todo descabido, para alguém
que sofre de ansiedade ou até mesmo depressão pensar em tomar durante uns
tempos uma dose reforçada de Lactobacillus rhamnosus e Bifiidobacterium
longum, por exemplo. Existem inclusivamente formulações de cápsulas
gastroresistentes com microencapsulação de milhões de milhões destas bactérias
para melhorar o ânimo, pois melhoram a produção de serotonina e dopamina, entre
outros mediadores químicos. Quando esta flora comensal está descompensada
dizemos que estamos num quadro de disbiose intestinal. Temos a alternativa que
acabei de referir, por recurso a cápsulas comerciais. No meu entender, podemos
recorrer mais facilmente aos probióticos caseiros. O mais simples e conhecido
de todos é o iogurte. Só que o iogurte só apenas duas estirpes: o Lactobacillus
bulgaricus e o Streptococcus termophilus. A fermentação láctica
destas duas bactérias faz com que o iogurte quase não tenha lactose do leite da
vaca, pois é praticamente toda transformada no processo. Mas subsiste ainda a
caseína, nomeadamente a β-caseína-A2. Por conseguinte, apresento sempre soluções
como os pickles caseiros, o chucrute caseiro, a kombucha, o kefir,
o miso, a umeboshi — estes dois últimos da dieta japonesa. Se
consumirmos regularmente estes probióticos caseiros evitamos quadros de severa
disbiose.
Comentários
Enviar um comentário