Acupuntura
Com mais de três mil anos de existência, a acupuntura, derivada da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), assenta as suas bases na filosofia Taoista, sendo o Tao a energia primordial essencial e única do Universo que tudo envolve (o éter ou a matriz divina). O Tao exprime-se na nossa realidade sob a forma de Yin e Yang. Nada é totalmente Yin ou Yang, razão pela qual a predominância de uma ou de outra dessas energias determina a classificação básica dos seres e das coisas.
A acupuntura assume então, grosso modo, que “o corpo humano é
o resultado da ação milenar das energias cósmicas e telúricas e da sua reação,
consciente ou inconsciente, a estas energias”. “Cósmicas” referem-se obviamente
ao Céu e representam a polarização Yang, e “telúricas” à Terra,
portanto, à matéria ou Yin. Para esta filosofia de tratamento, o ser
humano é, por conseguinte, essencialmente um vaso condutor que conecta o Céu à
Terra e a Terra ao Céu, e esta conexão permanente é o motor que o move física,
emocional e espiritualmente.
A acupuntura é a única terapêutica sustentada por um sistema
filosófico que, acima de tudo, nos faz compreender que o homem está intimamente
alinhado com o meio ambiente e, por extensão, com o Universo e quando estimulamos
uma agulha em certos pontos do corpo estamos não só a equilibrar as funções orgânicas,
fisiológicas, mas, de forma simultânea, os padrões psíquicos e mentais que
condicionam e bloqueiam o normal funcionamento do organismo. É, portanto, um
tratamento suportado por uma filosofia que assevera tratar o doente e não
somente a doença.
Para que se consiga entender um pouco melhor esta filosofia importa
saber que este fluxo de energia entre o Céu e a Terra ocorre através de vários canais
ou meridianos no nosso corpo. Existem vários meridianos principais e vários extraordinários
e colaterais. Dos doze meridianos principais, metade é Yin e a outra
metade é Yang. De acordo com a teoria dos cinco elementos (fogo, terra,
metal, água, madeira), a fisiopatologia energética é explicada com base nos
conceitos da geração e do controlo entre estes elementos. É muito simples de
entender: o fogo gera cinzas, portanto, alimenta a terra. A
terra, na sua crosta, tem ferro, portanto, gera o metal. O metal é frio
e, do ar, condensa a água. A água rega as plantas, cresce a madeira.
A madeira é o alimento do fogo e assim se fecha o ciclo da geração. É
interminável, tal como a nossa energia. O ciclo de controlo também encontra
analogia na natureza: a madeira tem raízes, portanto prende a terra.
A terra faz as margens do rio e controla o rio, ou seja, a água. A água
apaga o fogo e o fogo derrete o metal. O metal (machado) corta a madeira.
Mais uma vez fechamos o ciclo, agora na vertente de controlo. Se tudo estiver a
fluir normalmente, apresentamos saúde física, emocional e espiritual.
Cada elemento tem um sentimento associado: o fogo encontra-se
associado à alegria, a terra à preocupação, o metal à tristeza,
a água ao medo e a madeira à raiva (mas também à frustração e ao ressentimento).
Por exemplo, um padrão de desequilíbrio típico dos tempos
modernos, muito em particular dos portugueses, é o seguinte: a preocupação
prolongada, habitualmente decorrente de questões financeiras, vai suprimir a força
do elemento terra, deixando a madeira — o seu controlador (as raízes que
seguram a terra) — à vontade para assumir um comportamento erróneo de controlo
excessivo, crescendo em potência e em tamanho. Dependendo da natureza da pessoa,
pode manifestar-se por acessos de raiva, vertigens, enxaquecas ou até de excesso
de tensão arterial em pessoas mais Yang — os famigerados temperamentos
explosivos — ou então, em ambientes mais Yin, mais femininos, vai ser
reprimida, transformando-se em frustração e ressentimento. Por norma, arrastado
por vários anos, este padrão irá desembocar invariavelmente numa estagnação da
energia da madeira (do fígado) dando origem à depressão nervosa. A energia da
madeira é conhecida como o grande distribuidor de energia (Qi) e de
sangue (Xue) pelo corpo. Se houver uma estagnação a este nível, vão
ocorrer vários sintomas patognomónicos: depressão, irritabilidade, opressão
torácica, dor nos seios, menstruação irregular e infertilidade (masculina e
feminina). Como a terra (o baço) apresenta também pouca energia (sendo muitas
vezes a causa inicial, devido a um excesso de preocupação), vai gerar-se uma
deficiência de Yin: excesso de peso, má digestão, fezes moles e mal digeridas
e retenção de líquidos.
Como já deu para reparar, cada elemento tem também um órgão
e uma víscera associados. O órgão (Zang) — mais denso — corresponde à
vertente Yin do elemento e a víscera (Fu) — oca — à vertente Yang.
Como o fogo se desdobra em fogo imperial (coração e intestino delgado) e fogo ministerial
(pericárdio e triplo aquecedor), este elemento vai ter associados quatro
meridianos principais. Os outros elementos, terra, metal, água e madeira têm apenas
dois meridianos associados, que são, respetivamente: baço/pâncreas e estômago,
pulmão e intestino grosso, rim e bexiga, e fígado e vesícula biliar. Além
destes doze meridianos bilaterais, temos ainda o Ren mai (vaso de
conceção) e o Du mai (vaso governador) que são dois meridianos únicos
que cruzam o corpo humano pela linha central.
No curso dos meridianos encontram-se vários pontos de
acupuntura. No total temos 361 pontos de acupuntura. Contudo, existem vários
pontos extra de extrema relevância e, em bom rigor, qualquer ponto local de dor,
geralmente apontado pelo próprio paciente, é passível de se tornar num ponto de
acupuntura se constituir um bloqueio energético (Ashi). Estes pontos são
habitualmente utilizados com a finalidade de analgesia, portanto muito comuns
nos tratamentos de processos agudos e crónicos.
Porém, se tivesse de optar pelos dez pontos mais preponderantes
de acupuntura, esta seria a minha seleção:
VG20 (baihui) — Ponto de interseção no couro
cabeludo entre a linha mediana e a linha horizontal que liga o ápice das
orelhas. É indicado para eliminar o vento interior, expelir ou elevar o Yang
do fígado, acalmar o Shen (espírito), esquizofrenia, qualquer distúrbio
de sono, AVC, dor de cabeça, tonturas e zumbidos.
Yintang (ponto extra) — Na linha do meridiano
do vaso governador, entre as sobrancelhas. É indicado para insónias,
enxaquecas, tonturas, ansiedade, congestão nasal e problemas oculares.
VC17 (danzhong) — Na linha mediana, entre os
mamilos. É indicado para tonificar o Qi, principalmente do coração e do
pulmão, para a sensação de opressão no tórax e falta de ar. Também beneficia as
mamas.
PC6 (neiguan) — Três dedos acima da linha do
punho, entre os tendões dos músculos palmar longo e flexor radial do carpo. É
indicado para mover o Qi e o sangue (Xue) no tórax. Acalma a
mente, trata a ansiedade, palpitação, depressão, tristeza, náusea, vómito,
regula a menstruação. Ajuda na rigidez do pescoço e alivia o túnel do carpo.
IG4 (hegu) — Na mão, no lado radial, entre o
1º e o 2º osso metacarpal. É indicado para analgesia (particularmente em
odontologia), elimina o vento-calor, constipações ou gripes com febre, qualquer
problema na face e facilita o parto (cuidado porque é um ponto abortivo).
Trata as dores de garganta, dentes, olhos e cabeça. Em conjunto com o F3 forma “os
quatro portões” que ajuda a aliviar a estagnação de Qi, melhorando a
depressão.
VC4 (guanyuan) — Na barriga, na linha mediana,
cinco dedos abaixo do umbigo. É indicado para tonificar o Qi, o sangue (Xue),
a energia do rim e o Yang. Ajuda a tratar doenças ginecológicas e regula
a menstruação, infertilidade, fraqueza, lombalgia e diarreia.
E36 (zusanli) — Quatro dedos abaixo da patela
do joelho e um dedo lateral à margem anterior da tíbia. É conhecido como o
ponto das três milhas ou das mil doenças. É indicado para fortalecer o Qi
e o sangue (Xue), portanto melhorando a imunidade e providenciando
longevidade. Aumenta o Yang, elimina o vento, a humidade e o frio.
Diminui os edemas e trata as dores epigástricas, náuseas, vómitos, más digestões,
tonturas, fadiga, rinites, faringites. Em suma, fortalece o corpo e a mente.
BP6 (sanyinjiao) — 4 dedos acima da
proeminência do maléolo medial, na margem posteromedial da tíbia. É o ponto de
convergência dos três meridianos Yin da perna. É usado para fortalecer a
energia do baço e do estômago, problemas ginecológicos ou urológicos, problemas
gastrointestinais, sensação de peso, edema, dor abdominal, tontura, zumbidos,
menstruação irregular, infertilidade, impotência, insónia e deficiência da
vesícula biliar (cuidado porque é um ponto abortivo).
R3 (taixi) — Na linha da proeminência do
maléolo medial, numa depressão entre o maléolo medial e o tendão de Aquiles. É
indicado para tonificar a energia do rim (sobretudo o Yang), regularizar
a menstruação, lombalgia, fraqueza, dor nos joelhos, infertilidade, fraca
audição, tontura e insónia.
F3 (taichong) — Na depressão entre o 1º e o 2º
metatarso, próximo às bases metatarsais. É indicado para dominar o Yang
do fígado (os tais ataques de raiva), elimina o vento interior e a humidade. Ajuda
a tratar a enxaqueca, regula a menstruação e alivia as cólicas menstruais. Em
conjunto com o IG4 ajuda a tratar a paralisia facial e acalma a mente,
aliviando a depressão.
A acupuntura, tal como é descrita neste capítulo, afigura-se,
pois, paradoxalmente simples e complexa. Como carece de muito estudo e experiência
deve ser efetivamente aplicada com critério e por profissionais idóneos. Não
obstante, deixamos algumas dicas relacionadas com a acupuntura que não envolvem
a inserção de agulhas de acupuntura:
1 — A fadiga extrema. Mercê do ritmo alucinante da
modernidade, ficamos recorrentemente exauridos. A crença enraizada que não
podemos abrandar, porque não podemos perder o ganha-pão, faz-nos ultrapassar o
limiar do cansaço para além do comportável. Dormimos mal e comemos ainda pior.
Assim, sempre que é notório um evidente desgaste de energia vital, recomendamos
o clássico escalda-pés, que os nossos avós tão bem conheciam e usavam. À
luz da MTC, estamos a dar calor a pontos fundamentais como o yongquan, o
taixi, o fuliu ou o sanyinjiao, ajudando sobremaneira a
“recarregar” a nossa energia. Aconselho, portanto, a mergulhar amiúde os pés
numa bacia com água bem quente, a “escaldar” (obviamente com a preocupação de
nunca provocar queimaduras), e sal integral marinho (ou sais de Epson), até à
altura de quatro dedos acima do maléolo (osso proeminente do tornozelo). Sugerimos
também, nestes casos, e a quem padece de dores na região lombar e/ou dores nos
joelhos, colocar todos os dias um pequeno saco de sementes (ou caroços
de cereja) aquecido na zona abaixo do umbigo e nas costas (à mesma altura do
umbigo), alternadamente. Conseguirmos colocar o mesmo saco de sementes ainda
quente quatro dedos abaixo dos joelhos, para dar calor no famoso ponto zusanli,
potenciando a imunidade e a longevidade, seria altamente desejável.
2 — O faquir moderno. As costas, mais particularmente
o centro das costas, são uma zona essencialmente Yang. De um modo
redutor, lá encontramos o meridiano Du mai, também conhecido como o vaso
governador, e o meridiano da bexiga. Se nos detivermos mais especificamente no
meridiano da bexiga vamos encontrar vários pontos de influência — os pontos Shu
dorsais. Ou seja, para todos os órgãos e vísceras (na MTC), vamos ter um ponto Shu
dorsal que ajuda a equilibrar as funções (tratando as disfunções). É comum, em
inúmeros desequilíbrios, tratar estes pontos. No Shiatsu,
inclusivamente, é habitual fazer uma rotina das costas, que se traduz por
estabelecer o fluxo de Qi neste meridiano. Na impossibilidade de fazer
uma autoinserção de agulhas nas costas com precisão, a melhor alternativa é
adquirir um tapete de picos. Há vários modelos no mercado, de excelente
qualidade. Para que o leitor tenha uma ideia, é praxe a maioria dos acupuntores
recorrerem ao seu próprio tapete de picos para autotratamento. Por conseguinte,
é recomendável a quem sofre de dores crónicas ou agudas nas costas, fibromialgia,
insónias ou ansiedade. Só precisa de se acautelar no caso de a pele estar
comprometida nessa zona ou então se houver uma hipersensibilidade dolorosa. Nas
senhoras, o efeito de aumento de circulação periférica pode ser deveras
interessante na intenção de eliminar a famigerada “casca de laranja”. E porque
a sua área de influência abrange todos os órgãos e, por conseguinte, todas as
funções orgânicas, o seu efeito traduz-se num relaxamento e bem-estar geral, quer
seja pelo reequilíbrio energético, quer seja pela melhoria da circulação
sanguínea periférica ou até pela estimulação do sistema nervoso autónomo.
3 — Os vómitos, a gravidez e a falta de ar. Como foi
acima referido, o ponto 6 do pericárdio (o órgão do fogo ministerial), o neiguan,
é fantástico para aliviar a sensação de vómito ou a falta de ar. Nas farmácias
é comum encontrar uma pulseira para os vómitos da gravidez, com um íman, que
atua precisamente nesse ponto. Se não estiver interessado em adquirir uma
dessas pulseiras, pode optar pela alternativa de massajar esse ponto em ambos
os braços com o polegar no sentido anti-horário.
4 — As dores de dentes e de cabeça. O ponto hegu
(um dos TOP10 descritos acima), o número 4 do meridiano do intestino grosso, é
também conhecido como o “grande eliminador”. Massajar este ponto vigorosamente pode
ajudar a aliviar as dores de dentes e de cabeça e até a problemas de obstipação.
Não pode ser utilizado por grávidas porque é indutor do parto. É um ponto habitualmente
doloroso (uma dor surda).
5 — A amigdalite. Se estivermos perante um acesso
súbito de dores de garganta com inflamação (com ou sem febre) podemos recorrer
a uma técnica extremamente eficaz, em que fazemos gotejar, com o recurso a uma
lanceta esterilizada e desinfetando convenientemente com álcool a 70º, antes e
depois, duas ou três gotas de sangue do ponto 11 do pulmão, o shaoshang,
a dois milímetros do lado radial do leito ungueal do polegar, no canto da unha,
e do ponto 1 do triplo aquecedor, o guanchong, a dois milímetros do lado
ulnar do leito ungueal do dedo anelar.
6 — Tapping e acupressão. Com as pontas dos
dedos indicador, médio e anelar damos pancadinhas em todos os pontos por
debaixo da clavícula, que é uma zona de forte libertação emocional. Depois, se
não houver contraindicações, prolongam-se estas pequenas batidas à zona do
esterno. Há dois pontos habitualmente muito dolorosos e extremamente
“emocionais”, que correspondem ao chacra cardíaco (o VC17 — danzhong, no
esterno, a nível dos mamilos) e ao chacra do plexo solar (o VC14 —juque,
três dedos abaixo da apófise xifoide), que devemos massajar com os mesmos três
dedos no sentido anti-horário, até aliviar a dor. Podemos repetir este processo
várias vezes até nos sentirmos calmos.
Referências:
Kim Choo H, Manual Prático de acupuntura, 9. Ed. Atual, São
Paulo, Ícone, 2016
Fu D, Yin
G, Three needle technique, Atlantic Institute of Oriental Medicine, 2002
Encinas LMG, Manual prático de diagnóstico e tratamento em
acupuntura, Robe Editorial, 2003
Maciocia G, Diagnóstico na Medicina Chinesa, Roca editores
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