As vitaminas e os bichos-papão
Apresentar resumidamente os atributos de todas as vitaminas
num artigo único afigura-se, no mínimo, utópico.
As vitaminas são tão determinantes para a saúde humana que devemos
ser parcimoniosos e olhar, justamente, para cada uma delas, com o merecido detalhe.
Para começar, devemos ser capazes de saber reconhecer as
vitaminas lipossolúveis e conseguir distingui-las das hidrossolúveis.
Já ouviram falar da “sigla” ADEK?
É uma forma fácil de se lembrarem quais as vitaminas que são
lipossolúveis: a A, D, E e K. A
lipossolubilidade apresenta-se como a habilidade própria de uma determinada
vitamina ser capaz de atravessar uma série de barreiras orgânicas e, apresentando
uma boa biodisponibilidade, conseguir distribuir-se (e acumular-se) em
quantidades interessantes no sangue e nos tecidos adiposos e, por conseguinte,
nos órgãos. Um comportamento que podemos
catalogar como periclitante, pois é estreita a linha que separa a margem nutricional
e terapêutica destas vitaminas da sua margem tóxica. Dito de outra forma, o consumo desenfreado de suplementos com
vitaminas lipossolúveis pode acarretar toxicidade.
A vitamina D é um exemplo clássico de uma vitamina lipossolúvel,
imprescindível ao bom funcionamento das nossas funções orgânicas. É fundamental
para um sistema imunológico competente, essencial para uma resposta
inflamatória apropriada e vital para a homeostase do cálcio e sua fixação nos
ossos, evitando doenças como a osteoporose e o raquitismo.
Qualquer clínico que suspeite de défice de vitamina D, manda,
antes de tudo, realizar um doseamento sérico de 25-hidroxi-vitamina D. Este
valor vai traduzir os níveis de reserva desta vitamina no nosso organismo.
Sendo Portugal um país soalheiro, é surpreendente constatar como
os níveis de vitamina D dos portugueses são paradoxalmente baixos.
Na minha humilde opinião, estes atípicos valores devem-se a três
fatores:
1 – Os queratinócitos da nossa pele conseguem produzir
vitamina D através da exposição solar e de um derivado do colesterol. Sim, co-les-te-rol…
(falaremos do colesterol e das suas importantes funções noutro artigo). Não
obstante, apesar de termos muito sol e muitos dias de sol, trabalhamos em
grandes superfícies, em escritórios, indústrias e comércios abrigados da vital luz solar. Entramos cedo ao
trabalho e saímos já escuro. Não podíamos estar a virar mais as costas à
Natureza… à nossa própria Natureza. (Isso vai acabar por também se refletir no
ciclo circadiano e do sono, envolvendo a produção de melatonina pela glândula pineal);
2 – A nossa alimentação é fraca. A carne e o peixe crescem
em cativeiros, as frutas e os legumes são desenvolvidos fora de época e em
metade do tempo, em incubadoras (estufas). Os alimentos ricos em vitamina D,
como os óleos de peixe (especialmente o óleo de fígado de bacalhau), foram “empurrados”
paulatina e irrevogavelmente para fora da nossa dieta;
3 – Gerou-se uma crença, um medo coletivo, dos cancros da
pele. Então, ainda que uma pessoa faça uma caminhada ao sol, em horas
apropriadas para a produção de vitamina D, besunta-se com carradas de protetor
solar, impedindo os raios celestes de fazerem o seu subtil trabalho. Aqui, considero
que os profissionais de saúde não deveriam ser tão alarmistas. Os cancros de
pele, os melanomas, são reais e, por conseguinte, devemos adotar precauções
adequadas. Porém, do meu ponto de vista, não devemos embarcar em exageros e
histerias coletivas. As contas são fáceis de fazer: se não apanharmos sol, não produzimos
vitamina D suficiente, temos uma imunidade debilitada e ficamos mais
vulneráveis a todos os tipos de cancro (e outras doenças graves, incluindo as
cardiovasculares).
Resumo: se
apanharmos sol inadequadamente — possibilidade de contrairmos um cancro, o da
pele; se não apanharmos sol suficiente —
ficamos sujeitos a todos os outros tipos de cancro.
Se tiverem dúvidas, é só verificar os níveis séricos de vitamina
D nos IPOs e departamentos de oncologia dos hospitais por esse país fora. Com
certeza são muito baixos. Há uma irrefutável relação de causalidade.
Aqui o bicho-papão é o
sol…
Para contrariar a falta desta vital vitamina são prescritos potentes
suplementos mensais de colecalciferol (vitamina D3), normalmente de origem semissintética, resultantes da
exposição da lanolina (da lã das ovelhas) e ergosterol (de certos cogumelos) a
raios UV.
Convém relembrar que qualquer toxicidade da vitamina D estará
sempre relacionada com a toma destes suplementos exógenos e subsequente aumento
do cálcio sérico.
Depois há a vitamina
C…
Recordam-se de ter referido num artigo anterior, sobre o
açúcar, que os humanos são incapazes de produzir vitamina C a partir da glicose?
Hidrossolúvel, portanto, com muito menor probabilidade de
causar toxicidade, a vitamina C é uma das mais importantes na saúde humana. É
um antioxidante fundamental em inúmeros processos bioquímicos celulares,
sobretudo os envolvidos na produção de colagénio. Só conseguimos obter vitamina
C a partir da alimentação.
A nossa alimentação deve ser, pois, variada e colorida,
plena de frutas e vegetais frescos. No entanto, estima-se que para obtermos a
quantidade necessária de vitamina C — para nos proteger aquando de um stresse
oxidativo excessivo — necessitaríamos de ingerir aproximadamente um saco de
laranjas (15) ou tangerinas (30) … por dia… O fruto autóctone, em Portugal,
mais rico em vitamina C, é a rosa canina.
Não temos por hábito comer esse fruto silvestre, portanto, sugiro, em
alternativa, suplementação de vitamina C natural com essa baga, quando o
organismo está claramente em défice. Linus
Pauling, cientista, Nobel em Química e “pai” da medicina ortomolecular,
preconizava uma toma diária de 7 g de vitamina C para estarmos sempre de boa
saúde e combater certas patologias (que desencadeou muito celeuma na comunidade
científica). Na minha opinião, uma toma de 1000 mg diários quando estamos em
risco de infeções víricas, para proteção, e 250 mg diários nos restantes dias
do ano, é mais que suficiente para um adulto saudável.
Quando estamos com um défice extremo de vitamina C, padecemos
de escorbuto. Em última instância, a pele é atingida, surgindo sangramento nos
cantos da boca, nas gengivas, no nariz e outras zonas com muitos capilares
sanguíneos. Antes disso, as articulações, sistema nervoso, órgãos, etc. já estarão
muito afetados. Ainda nos está gravada na memória coletiva a morte de milhares
de marinheiros, na época das Descobertas, por falta de alimentos frescos. Por
falta de vitamina C.
Vamos focar-nos no sistema cardiovascular, olhando atentamente
para as artérias.
Quando temos uma alimentação rica em alimentos processados e
pobre em frutas e vegetais frescos,
a parede interna das artérias — endotélio / túnica íntima — fica com a estrutura
debilitada e começam a surgir pequenas microfissuras.
Formam-se placas de arteriosclerose, a partir do colesterol oxidado, para as “vedar”.
Embora a vitamina C possa não inverter
a arteriosclerose estabelecida, pode impedir a continuação da degradação
orgânica do endotélio, que é um sinal de inflamação vascular num estado
avançado. A vitamina C, como antioxidante, auxilia na proliferação das células
endoteliais correlacionada com a expressão do colágeno IV, impedindo a
sua destruição.
A formação de placas de colesterol nas artérias, afinal de
contas, é apenas o plano B do organismo para “tapar os buracos” provocados,
primariamente, por uma alimentação deficitária em vitamina C…
Uma supercola…
No entanto, é o colesterol
que é apontado como o bicho-papão…
Todas as sugestões apresentadas não dispensam o
acompanhamento pelo seu profissional de saúde.
Referências
bibliográficas:
Betty A. Ingraham, Beth Bragdon & Anja Nohe (2008) Molecular basis of the potential of vitamin
D to prevent cancer, Current Medical Research and Opinion, 24:1, 139-149,
DOI: 10.1185/030079908X253519
Chambial, S., Dwivedi, S., Shukla, K. K., John, P. J., & Sharma, P. (2013). Vitamin C in disease prevention and cure: an overview. Indian journal of clinical biochemistry : IJCB, 28(4), 314-28.
Photo by Bruna Branco on Unsplash
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminar